Desigualdades de oportunidades de trabalho: as múltiplas discriminações por gênero, raça, idade e escolaridade
Pandemia
reforça desigualdade de gênero no mercado de trabalho
No Brasil, o nível de escolaridade das mulheres é superior ao dos
homens: entre eles, 21,5% frequentaram o ensino superior; entre
elas, 29,75%, segundo a pesquisa Estatísticas de Gênero,
do IBGE, divulgada em março de 2021. Porém, o mercado de trabalho não reflete
essa situação. Historicamente, mulheres possuem desvantagens na área,
como menor participação na força de trabalho, ocupação de setores e cargos
menos valorizados, e menores salários. E a pandemia só veio agravar essa
situação.
Segundo dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, a força feminina no mercado
de trabalho caiu de 53,3% – no terceiro trimestre de 2019 – para
45,8%, no mesmo período de 2020. Essa é a taxa mais baixa desde 1991. Já entre
os homens, a participação é mais expressiva e a queda foi menor: de 71,8% para
65,7%.
Analisar a sub-representação feminina no trabalho abre um leque para
outras discussões. “O desemprego agrava vulnerabilidades, leva a um aumento de
todos os tipos de violência, incluindo a sexual e a doméstica. Trabalhar a
questão da renda das mulheres é lidar com as violências que elas sofrem”,
analisa Arthur Goerck, líder do Programa Desenvolvimento Local, da Fundação
FEAC.
A primeira edição da campanha de combate à insegurança alimentar
Mobiliza Campinas, realizada pela FEAC em 2020, tinha como um dos seus
objetivos lidar com as consequências da perda de renda com o desemprego
feminino.
Dentre os critérios preferenciais para receber o benefício, estavam ser
mulher e chefe de família, ter perdido o emprego ou atuar no mercado informal
antes da pandemia. Dos 6.300 cartões alimentação emitidos, 93% foram em nome de
mulheres que tiveram sua geração de renda afetada pela pandemia.
Joana Simões de Melo Costa, economista e pesquisadora do Ipea, aponta
que um diferencial dessa crise é o alto crescimento de inatividade entre as
mulheres. Diferentemente do desemprego, no caso da inatividade, não há a busca
por uma vaga. Dentre os motivos, Joana destaca o impacto da pandemia nos
setores tipicamente ocupados por mulheres – como serviços e hotelaria – e a
sobrecarga de trabalhos domésticos e cuidados com os filhos.
Sobrecargas
das mulheres
Realizada ente abril e maio de 2020, o estudo “Sem Parar – O trabalho e a vida
das mulheres na pandemia”, da Gênero e Número e da Sempreviva
Organização Feminista, aponta que 50% das mulheres passaram a se
responsabilizar pelo cuidado de alguém na pandemia. Entre as que cuidam de
crianças, 72% afirmaram que aumentou a necessidade de monitoramento dentro do
domicílio.
Mulheres com filhos, invariavelmente, foram mais impactadas no mercado
de trabalho. O papel social feminino influencia o cenário, como explica
Joana: “O isolamento, com o fechamento de creches e escolas, reforça a divisão
sexual do trabalho. Essa responsabilização pelos cuidados da casa e dos membros
da família – como crianças e idosos – ficou ainda mais presente na pandemia, o
que dificulta a participação da mulher no mercado de trabalho”.
Segundo a pesquisa do IBGE, a
participação das mulheres sem filhos na força de trabalho é 35,2% maior em
relação à participação daquelas com filhos.
Joana analisa que, para os homens, ter filhos não é uma desvantagem,
pelo contrário: “Homens com filhos têm até uma participação um pouco acima [na
força de trabalho], porque é visto como responsável. Já para mulher com filhos,
significa que não vai se dedicar totalmente ao trabalho”.
Recorte
racial
Embora mais mulheres tenham migrado para o desemprego, as
pesquisas analisam que o perfil das desempregadas não mudou: as mulheres negras
continuam sendo as mais prejudicadas.
Segundo o já citado relatório “Sem Parar”, entre as mulheres que
afirmaram estar desempregadas, 58,5% são negras e 39% são brancas.
Joana reforça que as questões são estruturais e épocas de crise as
evidenciam. “A mulher negra está sujeita a dois tipos de desigualdades – a de
gênero e a racial –que se somam. Além disso, a mulher negra tipicamente ocupa
setores do mercado mais vulneráveis, como trabalhos informais e emprego
doméstico”.
Como
mitigar as desigualdades?
É preciso unir esforços da sociedade para discutir a desigualdade de
gênero e traçar estratégias em médio e longo prazo.
O projeto Tempo de Empreender, do
Programa Desenvolvimento Local, foi criado durante a pandemia com foco em
pessoas que querem começar a empreender. Cerca de 80% dos participantes eram
mulheres. A maioria, negras e mães de família, o que reflete o perfil da
população mais impactada pela crise.
Arthur analisa que “falar de empreendedorismo em lugares vulneráveis é
falar da questão de gênero e raça. O empreendedorismo não é solução para tudo,
serve para complementar renda de pessoas vulneráveis, mas tem sido visto no
mundo todo como uma estratégia de inclusão produtiva também para pessoas em
extrema vulnerabilidade”.
Nos territórios vulneráveis de Campinas, a restrição de acesso à
internet acabou sendo também um grande motivo de desemprego. Muitas mulheres
usavam o celular para marcar serviços de faxina, por exemplo. O uso pelos
filhos para acessar materiais pedagógicos estourou o plano de dados de diversas
famílias, que ficaram sem acesso.
Em parceria com a Cufa, a FEAC lançou em dezembro de 2020
o Família ON, que
distribuiu 5 mil chips de celulares em territórios vulneráveis de Campinas. Um
dos requisitos era exatamente atender pessoas como Tatiane Almeida Guimarães,
que precisava acessar a internet para buscar emprego. A doméstica chegou a
perder serviços por não ter visto mensagens a tempo. Com o chip, ela voltou a
marcar faxinas.
Já para mulheres que buscam emprego de carteira assinada, Joana Simões
alerta que o mercado de trabalho precisa acompanhar mudanças sociais
e chamar os homens para a corresponsabilidade de cuidados e, assim, aliviar a
sobrecarga feminina. Licença paternidade prolongada e a oferta de creches de
qualidade são algumas mudanças que precisam acontecer.
Por Laíza Castanhari